A
personificação do mal sempre esteve presente em nossa sociedade, nas histórias
das sociedades primitivas, nas religiões e lendas, mas poucos se enraizaram
tanto no imaginário popular como Lúcifer, o anjo caído, expulso do céu por Deus
para gerenciar as almas enviadas ao Inferno.
Na Bíblia,
contos medievais, como Fausto na literatura de Goethe, o personagem adentrou na
cultura pop através da música, principalmente o blues, na figura de Robert
Johnson que teria feito um pacto com o tinhoso, no cinema em filmes como
Coração Satânico e o Exorcista e também nos quadrinhos, como a figura de
Mefisto da Marvel.
Mas, a meu
ver, foi em Sandman de Neil Gaiman, mais precisamente no arco Estação das Brumas,
que ele ganha uma de suas leituras mais interessantes.
Conhecemos
um Diabo sarcástico e debochado que já está cansado de administrar o Inferno e
por isso decide se aposentar. Para tanto, ele entrega a chave do lugar para o
senhor do sonhar, para que ele decida a quem entregar tal responsabilidade.
Com isso,
Estrela da Manhã vem para a Terra e abre um piano bar em Los Angeles. E para
nossa felicidade, tal acontecimento ganha um derivado nas mão super talentosas
de Mike Carey, que passa a dar continuidade às histórias do primeiro dos caídos
de forma inteligente e muito habilidosa.
E é esse
mesmo Lúcifer que também ganhou uma série de tv, cuja primeira temporada estreou
na Netflix. Num primeiro momento torci o nariz, pois, embora com a mesma
origem, as histórias tinham pouca relação com os quadrinhos, não só pela
caracterização, mas pelos roteiros.
Nos quadrinhos, Lúcifer está
sempre envolvido com questões do seu passado, temas sobrenaturais e de magia,
criaturas estranhas. No primeiro arco ele é procurado por Amenadiel, um anjo
que lhe pede para ajudar a encontrar uma nova entidade na Terra que está
realizando desejos aos mortais e em troca ele ganharia uma carta de passagem de
volta ao Paraiso.
Já na série de tv ele conhece
uma jovem policial que não é afetada por seus encantos e começa a ajuda-la
investigando os crimes que aparecem em cada episódio. O que poderia ser um
desastre, torna-se muito divertido, pois consegue demonstrar outras facetas do
personagem: sua busca por identidade (inclusive através de consultas periódicas
à uma psicóloga), seus conflitos com o pai, suas escolhas, a compreensão sobre
a humanidade e seu livre arbítrio.
E para ajudar, o roteiro é
muito bem bolado, com diálogos bem escritos e tiradas impagáveis, uma vez que
ele em nenhum momento esconde quem é, embora ninguém acredite. E o ator é
formidável, com um sotaque britânico e irônico, consegue dar humor e
profundidade ao personagem na forma como merece.
Assim, no lugar de estragar
uma mitologia iniciada nos quadrinhos, a série a amplia e dá novos matizes.
Agora é esperar que as editoras se animem e lancem os outros encadernados do
quadrinho que ainda não foram publicados no Brasil.
E como em uma das falas de
Lúcifer nos quadrinhos e que é repetida em um dos episódios: “As pessoas me
culpam por tudo. Eu não obrigo ninguém a fazer nada. Eles pertencem a si
mesmos, mas odeiam ter que encarar isso.”
Boa leitura e bons sonhos!