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sábado, 17 de outubro de 2015

Halo Jones e o lugar das mulheres nos quadrinhos


Bem, todos já sabemos que os quadrinhos, infelizmente, ainda é um universo masculino, tanto de leitores como na indústria, salvo raras e bem vindas exceções, a presença da mulher só é mais comum nas próprias histórias. Porém, como elas são retratadas?

Ao ler tardiamente Halo Jones do genial Alan Moore e desenhada por Ian Gibson comecei a prestar maior atenção sobre essa questão. E confesso que iniciei minha leitura tomado por meus preconceitos e ficando desapontado, pois, imaginava grandes aventuras espaciais vividas por uma jovem num futuro caótico, porém me deparei com uma mulher vivendo uma vida comum. Só então comecei a perceber que o autor não estava querendo criar mais uma heroína irreal e estereotipada! E foi aí que ela me pegou.
Mas, antes de analisar a obra, vamos fazer uma pequena análise das personagens femininas nos quadrinhos. Na chamada era de ouro, na maioria das vezes, elas não passavam de donzelas em perigo, da Olivia Palito à Jane do Tarzan, sendo os interesses românticos, porém de pouca ação e de inteligência medíocre, no período da chamada primeira onda do feminismo que visava, principalmente, a igualdade de sufrágio ainda no início do século XX.

E então chegaram os heróis e, consigo, as super-heroínas, numa resposta à segunda onda do feminismo, buscando-se a igualdade de direitos e oportunidades no mercado de trabalho. Porém, a mulher ainda está confusa, perdida, como a mulher maravilha que chega no mundo dos homens sem entender muito bem suas regras e Sue Richards, ainda amparada pela família do Quarteto Fantástico. Com poderes para fazer a justiça, sim, mas retratados de forma mais passiva, como fica bem representados por seus símbolos e habilidades, como os braceletes, ficar invisível ou ter um escudo de força, fica claro que ainda não são muito “perigosas” e precisam ser protegidas.
Uma outra presença da mulher é como parceira ou como “cópia” ou versão feminina de um herói masculino, como a mulher aranha, batgirl, supergirl, mulher hulk e várias outras que representam a tentativa da mulher se igualar ao homem tentando mimetizá-lo, perdendo sua identidade, refletindo uma prática que muito se repetiu no cotidiano, principalmente no mercado de trabalho.

Na nova fase, no final da década de 70 e início dos 80, com a sociedade já abraçando as mulheres elas passam a ser objeto de desejo mais declarado e sua presença é mais estereotipada. O culto ao corpo e o mercado da beleza faz surgir heroínas “bombadas”, lindas e com corpos esculturais. Heroínas não podem ser feias. Isso fica ainda mais claro nos anos 90, com um modelo definido pela editora Image e artistas como Jin Lee que abusam de poses sensuais e rostos perfeitos, embora todos iguais, período esse que se inicia a terceira onda do feminismo em que se discute a necessidade da mulher ser respeitada como mulher e não como um homem imperfeito ou objeto sexual.
E é nesse ponto em que chega Halo Jones.

A história foi publicada em doses homeopáticas mensalmente na revista inglesa 2000 AD por quase dois anos formando 3 arcos narrativos: no primeiro, Halo vive num planeta decadente, sem perspectivas, sonhando um dia viajar numa grande nave para os confins do Universo. Embora sem família ela vive com amigas, ora de forma alienada em baladas, ora lutando para conseguir comprar comida num mercado. Aqui temos a mulher sonhadora que se preocupa apenas com sua subsistência e prazeres fugazes.

No segundo arco ela consegue um emprego numa grande nave (espécie de transatlântico do espaço) e passa a viajar pelo Universo. E então ela vê que  a vida fora de sua zona de conforto também não é tão fácil. O trabalho é duro e pouco valorizado. Numa passagem ímpar ela conhece uma pessoa que perdeu sua identidade, pois por já ter trocado de sexo tantas vezes não mais sabia se era homem ou mulher e como ela não mais se enxergava como pessoa, na maioria das vezes, também era invisível para os demais.

Ao final do arco, Halo está na miséria e alcóolatra, quando decide se alistar no Exército, rendida pelas promessas de uma vida ilustre e um belo uniforme, mas o que ela consegue é ser tratada como lixo e colocada para lutar em guerras que não eram dela.

Nesse terceiro arco, ela é levada à pior zona de guerra da galáxia e, curiosamente num planeta chamado Moabe com alta gravidade, capaz de esmagar uma pessoa sem um traje apropriado. E num cartaz de propaganda, Alam Moore resume bem a condição da mulher nos anos 80 com o seguinte dizer: Moabe vai te transformar num homem.

E não é isso, ainda que inconscientemente, o que Halo e as mulheres desejavam em décadas anteriores? O homem não seria o modelo de vigor e sucesso? Mas, esse seria o caminho? Se colocar em uma situação de pressão capaz de explodir qualquer um?

Com os anos, a mulher foi acumulando funções tentando se igualar ao homem, o qual demorou milênios para se posicionar. A mulher em pouco tempo teve que ser linda, estudante e profissional de sucesso sem abrir mão de ser esposa, mãe e dona de casa. Seria essa a decisão mais saudável?

A decisão de Moore para Jones é bem interessante e não é pessimista, mas não vou estragar o final, podem ficar tranquilos.


Assim, Halo Jones se tornou um marco para a literatura feminista, pois narra não uma saga de uma mulher perfeita que deseja e consegue salvar o mundo, mas de uma mulher como tantas outras que erra, luta, chora e ainda é capaz de sonhar.



3 comentários:

  1. Gostei do que escreveu e fiquei curiosa sobre a HQ. Espero que outros escritores possam dar vida a personagens mais realistas e consigam retratar a mulher contemporânea de verdade, livre de estereótipos... bj

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  2. Valeu! Tem alguns quadrinhos que tocam o tema e são bem interessantes, como Estranhos no paraíso e Persépolis.

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  3. Adorei, professor!!
    Gostei do texto e fiquei mega curiosa, para ler halo Jones!!

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