Bem,
todos já sabemos que os quadrinhos, infelizmente, ainda é um universo
masculino, tanto de leitores como na indústria, salvo raras e bem vindas
exceções, a presença da mulher só é mais comum nas próprias histórias. Porém,
como elas são retratadas?
Ao ler
tardiamente Halo Jones do genial Alan Moore e desenhada por Ian Gibson comecei
a prestar maior atenção sobre essa questão. E confesso que iniciei minha
leitura tomado por meus preconceitos e ficando desapontado, pois, imaginava
grandes aventuras espaciais vividas por uma jovem num futuro caótico, porém me
deparei com uma mulher vivendo uma vida comum. Só então comecei a perceber que
o autor não estava querendo criar mais uma heroína irreal e estereotipada! E foi
aí que ela me pegou.
Mas,
antes de analisar a obra, vamos fazer uma pequena análise das personagens
femininas nos quadrinhos. Na chamada era de ouro, na maioria das vezes, elas não
passavam de donzelas em perigo, da Olivia Palito à Jane do Tarzan, sendo os
interesses românticos, porém de pouca ação e de inteligência medíocre, no
período da chamada primeira onda do feminismo que visava, principalmente, a
igualdade de sufrágio ainda no início do século XX.
E
então chegaram os heróis e, consigo, as super-heroínas, numa resposta à segunda
onda do feminismo, buscando-se a igualdade de direitos e oportunidades no
mercado de trabalho. Porém, a mulher ainda está confusa, perdida, como a mulher
maravilha que chega no mundo dos homens sem entender muito bem suas regras e
Sue Richards, ainda amparada pela família do Quarteto Fantástico. Com poderes
para fazer a justiça, sim, mas retratados de forma mais passiva, como fica bem
representados por seus símbolos e habilidades, como os braceletes, ficar
invisível ou ter um escudo de força, fica claro que ainda não são muito
“perigosas” e precisam ser protegidas.
Uma
outra presença da mulher é como parceira ou como “cópia” ou versão feminina de
um herói masculino, como a mulher aranha, batgirl, supergirl, mulher hulk e
várias outras que representam a tentativa da mulher se igualar ao homem
tentando mimetizá-lo, perdendo sua identidade, refletindo uma prática que muito
se repetiu no cotidiano, principalmente no mercado de trabalho.
Na
nova fase, no final da década de 70 e início dos 80, com a sociedade já
abraçando as mulheres elas passam a ser objeto de desejo mais declarado e sua
presença é mais estereotipada. O culto ao corpo e o mercado da beleza faz
surgir heroínas “bombadas”, lindas e com corpos esculturais. Heroínas não podem ser feias. Isso fica
ainda mais claro nos anos 90, com um modelo definido pela editora Image e
artistas como Jin Lee que abusam de poses sensuais e rostos perfeitos, embora
todos iguais, período esse que se inicia a terceira onda do feminismo em que se
discute a necessidade da mulher ser respeitada como mulher e não como um homem
imperfeito ou objeto sexual.
E é nesse ponto em que chega Halo Jones.
A
história foi publicada em doses homeopáticas mensalmente na revista inglesa
2000 AD por quase dois anos formando 3 arcos narrativos: no primeiro, Halo vive
num planeta decadente, sem perspectivas, sonhando um dia viajar numa grande
nave para os confins do Universo. Embora sem família ela vive com amigas, ora
de forma alienada em baladas, ora lutando para conseguir comprar comida num
mercado. Aqui temos a mulher sonhadora que se preocupa apenas com sua
subsistência e prazeres fugazes.
No
segundo arco ela consegue um emprego numa grande nave (espécie de
transatlântico do espaço) e passa a viajar pelo Universo. E então ela vê
que a vida fora de sua zona de conforto
também não é tão fácil. O trabalho é duro e pouco valorizado. Numa passagem
ímpar ela conhece uma pessoa que perdeu sua identidade, pois por já ter trocado
de sexo tantas vezes não mais sabia se era homem ou mulher e como ela não mais
se enxergava como pessoa, na maioria das vezes, também era invisível para os
demais.
Ao
final do arco, Halo está na miséria e alcóolatra, quando decide se alistar no
Exército, rendida pelas promessas de uma vida ilustre e um belo uniforme, mas o
que ela consegue é ser tratada como lixo e colocada para lutar em guerras que
não eram dela.
Nesse
terceiro arco, ela é levada à pior zona de guerra da galáxia e, curiosamente
num planeta chamado Moabe com alta gravidade, capaz de esmagar uma pessoa sem
um traje apropriado. E num cartaz de propaganda, Alam Moore resume bem a
condição da mulher nos anos 80 com o seguinte dizer: Moabe vai te transformar
num homem.
E não
é isso, ainda que inconscientemente, o que Halo e as mulheres desejavam em
décadas anteriores? O homem não seria o modelo de vigor e sucesso? Mas, esse
seria o caminho? Se colocar em uma situação de pressão capaz de explodir
qualquer um?
Com os
anos, a mulher foi acumulando funções tentando se igualar ao homem, o qual
demorou milênios para se posicionar. A mulher em pouco tempo teve que ser
linda, estudante e profissional de sucesso sem abrir mão de ser esposa, mãe e
dona de casa. Seria essa a decisão mais saudável?
A
decisão de Moore para Jones é bem interessante e não é pessimista, mas não vou
estragar o final, podem ficar tranquilos.
Assim,
Halo Jones se tornou um marco para a literatura feminista, pois narra não uma
saga de uma mulher perfeita que deseja e consegue salvar o mundo, mas de uma
mulher como tantas outras que erra, luta, chora e ainda é capaz de sonhar.
Gostei do que escreveu e fiquei curiosa sobre a HQ. Espero que outros escritores possam dar vida a personagens mais realistas e consigam retratar a mulher contemporânea de verdade, livre de estereótipos... bj
ResponderExcluirValeu! Tem alguns quadrinhos que tocam o tema e são bem interessantes, como Estranhos no paraíso e Persépolis.
ResponderExcluirAdorei, professor!!
ResponderExcluirGostei do texto e fiquei mega curiosa, para ler halo Jones!!